DINOSSAUROS & AFINS
Ibirania parva
O Ibirania foi um pequeno dinossauro pescoçudo, do tamanho de um cavalo, que viveu no Brasil durante o Cretáceo. Esse herbívoro era um anão comparado às outras espécies brasileiras, sendo um animal exótico naqueles tempos pré-históricos.
CLASSIFICAÇÃO:
FILO: CORDADO
CLASSE: REPTILIA
SUPERORDEM: DINOSAURIA
ORDEM: SAURISCHIA
SUBORDEM: SAUROPODOMORPHA
INFRAORDEM: SAUROPODA
CLADO: TITANOSAURIA
SUPERFAMÍLIA: SALTASAUROIDEA
FAMÍLIA: SALTASAURIDAE
SUBFAMÍLIA: SALTASAURINAE
GÊNERO: IBIRANIA
ESPÉCIE: IBIRANIA PARVA
Fig. 1 arte de Matheus Gadelha, divulgação.
DESCOBERTA:
A região de São José do Rio Preto, no estado de São Paulo, possui em seu solo uma quantidade incrível de fósseis e materiais da era do mesozoico, tendo sido explorados por décadas por pesquisadores e curiosos na paleontologia. Dessa região foi desenterrado o primeiro titanossauro descrito para o Brasil, o Antarctosaurus brasiliensis, que atualmente não é mais uma espécie válida. Crocodilianos, tartarugas, megaraptores, abelissaurídeos e mais titanossauros também foram descobertos, porém com poucos materiais ou estes segmentados, visto que no passado os ossos eram transportados por águas de chuvas sazonais e espalhados aos quatro cantos.
Em 1999, na zona rural de Ibirá, em São Paulo, foram localizados os primeiros restos de um saurópode, sendo que os materiais eram pisoteados pelo gado que pastava. Ao longo de anos, diferentes pessoas recolheram nas imediações fósseis que mais tarde seriam associados a este dinossauro, sendo todos apenas porções do esqueleto. Eles acabaram fazendo parte dos acervos da Universidade Federal de São Carlos, do Museu de Monte Alto, em Minas Gerias, e do Museu de Paleontologia Pedro Candolo, em Uchoa, cidade vizinha a Ibirá. O paleontólogo Bruno Navarro, com sua equipe, conseguiu localizar e identificar todos os restos e uni-los ao um novo tipo de dinossauro.
Fig. 2: Local do achado do holótipo, marcado pela estrala. Retirado de Navarro et. al, 2022.
HISTÓRICO DE PESQUISAS:
No total foram quatro indivíduos da espécie descobertos. O primeiro era carinhosamente chamado pelos paleontólogos como Bilbo, relacionando à personagem de mesmo nome do livro O Hobbit, de J. R. R. Tolkien, visto o tamanho diminuto em relação aos outros titanossauros. Posteriormente, outros dois indivíduos foram nomeados de Frodo e Sam, Hobbits da trilogia de livros O Senhor dos Anéis, do mesmo autor. O indivíduo Frodo, por curiosidade, foi desenterrado na mesma localidade que se descobriu o dinossauro carnívoro Thanos. O quarto espécime, seguindo a mesma linha de referência a obra, foi apelidado de Gollum, em especial por se tratar de um indivíduo que estava muito doente quando morreu.
Gollum e Bilbo vieram do afloramento Vaca Morta, no sítio dos Irmãos Garcia, já Frodo e Sam vieram do afloramento Zero Um, no sítio do Milton. Ao lado deste último havia outra propriedade cujo dono não permitiu a retirada da cervical fóssil do Ibirania, contudo, e ainda bem, a equipe voltou e pulou a cerca, recuperando o material. Em relação ao afloramento Vaca Morta, os ossos estavam bem fragmentados e espalhados por um pequeno espaço, visto que no passado lá era a curva de um rio que foi destruindo e espalhando o material, embora tenha o preservado muito bem.
Anos de estudos foram necessários para preparar os fósseis, eles estavam fragmentados e faltando em algumas partes. Porém, com paciência e as participações de diversas pessoas, aos poucos a imagem do antigo dinossauro foi sendo montada. Diferentes trabalhos foram feitos com eles, desde a maneira como preparar os fósseis da região, um estudo sobre os ossos pneumáticos e sobre a doença que afetava um deles. Em 2022 Ibirania foi oficialmente apresentado, contado com participação de diversos pesquisadores, através de artigo científico, o identificando como o menor pescoçudo descrito no Brasil. Originalmente, este trabalho seria apresentado num volume especial dos Anais da Academia Brasileira de Ciências, homenageando o professor Diógenes de Almeida Campos.
Importante destacar que pesquisa contou, além de outros financiamentos, com o apoio da Colecionadores de Ossos, cujos fundadores os paleontólogos Aline e Tito, contam com canais de divulgação sobre paleontologia nas plataformas digitais. De fato, o primeiro trabalho de campo e as primeiras pesquisas da paleontóloga Aline foram feitos com o Ibirania.
Fig. 3: Arte Sérgio Lages, tamanho do Ibirania comparado a uma pessoa, em colorido fósseis que foram coletados. Retirado de Navarro et. al, 2022.
ETIMOLOGIA:
O nome do dinossauro Ibirania vem da junção das palavras Ibirá, o nome da cidade que o animal foi encontrado e que em tupi significa árvore, com ania, uma corruptela da palavra grega plania, que significa vagar ou peregrinar. O epiteto da espécie é parva, substantivo feminino originário de parvus, palavra grega para pequeno, considerando o tamanho do réptil em relação a seus parentes. No final, seu nome pode ser entendido como pequeno peregrino das árvores ou andarilho de Ibirá, afinal era um saurópode que andava constantemente a procura de plantas para saciar sua fome.
Fig. 4: Arte Sérgio Lages, retirado de https://www.deviantart.com/thehellckan/art/Ibirania-life-reconstruction-929612723.
O DINOSSAURO:
O Ibirania era um dinossauro herbívoro, com pescoço e cauda longos, com a altura de um homem e comprimento que variava entre 5 e 6 metros. Ele era um dinossauro de baixa estatura, especialmente em comparação com outros saurópodes, de tamanho semelhante a um cavalo ou boi. Pertencia a família dos saltassauros, um grupo de dinossauros pescoçudos que possuía muitos representantes pequenos, sendo que o Ibirania é o primeiro da família oficialmente reconhecido no Brasil, visto que a maioria se encontra na Argentina.
Outra característica do Ibirania seria as osteordemas nas costas, uma característica observada pela primeira vez no Saltassauro. Tais osteodermas são projeções arredondadas que talvez fossem utilizadas tanto para armazenar algum elemento necessário ao corpo quanto para proteção, pois são duras e quando um predador o atacasse elas serviriam de armadura. No entanto, nenhuma osteoderma, até o momento foi associada ao Ibirania, mas provavelmente ele a tinha.
O tamanho pequeno do Ibirania deve estar relacionado ao meio ambiente daquela região, visto que a aridez era extrema, ao ponto de ser pior do que é hoje em desertos como o Kalahari, na África. De fato, outros dinossauros saurópodes brasileiros tinham tamanhos pequenos, como o Brasilotitan e o Gondwanatitan, mas o Ibirania conseguia ser o menor de todos. Eles deveriam se alimentar de plantas mais rasteiras, que suportavam o clima quente, sobrevivendo sem a necessidade de migrar para outras regiões atrás de alimentos. De fato, assim como aconteceu com outro pescoçudo que vivia em uma ilha, o Magyarossauro, o tamanho pequeno do Ibirania foi o resultado de um isolamento não pelo mar, mas causado pela região estar cercada de pequenos desertos e cadeias de montanhas intransponíveis.
Os fósseis do dinossauro estavam na Formação São José do Rio Preto, dentro do Grupo Bauru, datados entre o final do Santoniano e início do Campaniano, entre 83 e 80 milhões de anos atrás, no Período Cretáceo. Naquela época, a região de Ibirá contava com a presença de uma imensa planície cercada por montanhas, que em determinadas épocas era inundada por chuvas curtas, mas muito intensas, que formavam rios caudalosos. Os animais que morriam eram carregados e destroçados pela força da correnteza, como aconteceu com Ibirania, que teve seus restos espalhados numa curva de rio.
Naquele ambiente viviam animais como crocodilomorfos terrestres, outros saurópodes de porte maior, sapos, tartarugas, diferentes tipos de peixes e moluscos. Havia dinossauros carnívoros como o Thanos, que também era pequeno e caçava animais como o Ibirania. A adaptação do Ibirania para sobreviver a tudo isso o fez tornar pequeno e também uma espécie praticamente exclusiva daquela região durante a era dos dinossauros.
Fig. 5: Arte Matheus Fernandes Gadelha, divulgação.
OSSOS DE PASSARINHO
Uma característica muito interessante em algumas famílias de dinossauros são seus ossos pneumáticos, característica na qual o esqueleto possui diminuições e espaçamentos internos, dando àqueles répteis a vantagem de ficarem mais leves e crescerem. Isto foi mantido nas aves, o que auxiliou elas no voo. Contudo, é curioso pensar num dinossauro como Ibirania, que não tinha tamanhos excepcionais, mas mantivessem os ossos assim e tinham a tendência de se tornarem ainda mais pneumáticos. Outro fato é que, se hoje, mamíferos tem seus espaços no corpo preenchidos por gordura, dinossauros os tinham preenchidos por sacos aéreos.
Uma das vertebras do indivíduo Bilbo passou por uma tomografia computadorizada que mostrou essa incrível aparência de passarinhos. Junto com isso, notou-se a presença de tecido fossilizado na qual os sacos aéreos permeavam a parte esponjosa do osso. Os sacos aéreos deveriam ser utilizados pelos dinossauros para auxiliar na ventilação e resfriamento do corpo, afinal o clima naquele tempo era muito quente e tal adaptação permitiu o sucesso de animais como Ibirania a conquistar regiões até mesmo inóspitas.
Apesar de escassos, os fósseis do Ibirinia conseguiram fornecer diversas informações após devidamente apuradas. Por exemplo, Gollum e Bilbo eram dinossauros mais velhos, enquanto que Sam era maior e mais robusto e Frodo menor, com no máximo 5 metros de comprimento.
Fig. 6: Sacos aéreos, coloridos, em um Saltassaurídeo (adaptado), retirado de Ibiricu et. al, 2017.
DINOSSAURO ZUMBI:
O Ibirania chamado Gollum apresentava um estranho caroço em seu fóssil, percebido pela paleontóloga Aline Ghilard. O material passou por uma tomografia que revelou características indicando uma doença no animal. Então, sob a liderança do pesquisador Tito Aureliano, uma análise mais profunda foi feita para se verificar o que de fato acometeu o dinossauro.
Inicialmente, pensava-se na possibilidade de câncer, mas uma análise mais profunda, e com a participação de outros cientistas, entre eles a paleoparasitóloga Carolina Nascimento, foi possível identificar uma doença extensa no osso, gerando até uma abertura que foi colonizada por bactérias e, por incrível que pareça, uma infestação de parasitas sanguíneos, sendo mais de 70 os microrganismos encontrados somente naquele pedaço de fóssil.
O Ibirania tinha osteomielite, uma doença óssea bacteriana que causa inflamação e, se não tratada, se espalha através da corrente sanguínea. Ela existe até hoje e afeta humanos, porém no caso do Ibirania, sem nenhum cuidado, ela se espalhou pelo corpo, causando uma grande dor e sofrimento ao animal. Seu corpo deve ter ficado coberto de feridas abertas, ao ponto de ele estar quase necrosando vivo. Além disso, ele estava infestado por dezenas de pequenos parasitas parecidos com vermes. Não se sabe se os vermes entraram antes ou depois da doença ou se a causaram, visto que ela de fato se parece com Leishmaniose, doença causada por protozoários.
Acredita-se que tal doença não poderia acometer animais tão grandes como dinossauros, porém não seria improvável, afinal durante aquela época os animais tinham tamanhos colossais. De qualquer maneira, a pesquisa brasileira reuniu muitos dados nos campos da histologia, parasitologia e patologias, especialmente porque mesmo hoje em dia pouco se sabe da evolução da osteomielite no corpo das pessoas.
O pobre Ibirania já era muito velho, talvez o saurópode mais idoso descoberto, contudo, está não é a razão de ter tido essa doença. Após morrer, seu corpo foi rapidamente carregado pelas águas e coberto por lama em poucas horas, permitindo a preservação dos pequenos parasitas, ao ponto de poderem ser contados, indicando que o final da vida do dinossauro foi bem sofrido, quase um zumbi ambulante.
Fig. 7: Arte Hugo Cafasso, na primeira imagem o Ibirania doente. Na segunda imagem o local da ferida, assim como o osso e os parasitas presentes no sangue do dinossauro. Retirado de Aureliano et. al., 2021.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
Navarro, Bruno A.; Ghilardi, Aline M.; Aureliano, Tito; Díaz, Verónica Díez; Bandeira, Kamila L. N.; Cattaruzzi, André G. S.; Iori, Fabiano V.; Martine, Ariel M.; Carvalho, Alberto B.; Anelli, Luiz E.; Fernandes, Marcelo A.; Zaher, Hussam (2022). "A new nanoid titanosaur (Dinosauria: Sauropoda) from the Upper Cretaceous of Brazil". Ameghiniana. 59 (5): 317–354
Aureliano, T., Nascimento, C. S., Fernandes, M. A., Ricardi-Branco, F., & Ghilardi, A. M. (2021). Blood parasites and acute osteomyelitis in a non-avian dinosaur (Sauropoda, Titanosauria) from the Upper Cretaceous Adamantina Formation, Bauru Basin, Southeast Brazil. Cretaceous Research, 118, 104672.
Aureliano, T., Ghilardi, A. M., Navarro, B. A., Fernandes, M. A., Ricardi-Branco, F., & Wedel, M. J. (2021). Exquisite air sac histological traces in a hyperpneumatized nanoid sauropod dinosaur from South America. Scientific reports, 11(1), 24207.
https://www.youtube.com/watch?v=lk_TM7xn7Es
https://www.youtube.com/watch?v=_kH96sPGjfg
https://www.youtube.com/watch?v=cYo8Hewqlts